Quarto do Will

Eu sabia que ela não podia chegar atrasada, nem a queria atrasar. Mas precisava dela só maia um pouco. - Diz que me amas e eu depois deixo-te ir..

Um sorriso floresceu nos meus lábios - Eu amo-te, Will - Disse com o maior prazer. Depois beijei-o. Antes que reconsiderasse, saltei do seu colo - Passo pela oficina mais logo. Adeus! - E saí porta fora já atrasada.

Sorri de contente por ouvir as suas palavras. Depois espreguicei-me e fui arrumar o resto das coisas. Mais tarde fui para a oficina.

Quando acordei estava bem mais calma. Percebi que Will não estava ali, por isso levantei-me e fui até à casa de banho tentar melhorar o meu aspecto horrível. Percebia-se que tinha estado a chorar. Penteei o cabelo e então ocorreu-me se ficaria sem ele. Era demasiado para sequer imaginar. 
Mais recomposta, desci em busca do meu namorado.

"ela que descansasse em paz" hahaha xD

Demorei ainda alguns minutos no piso de baixo. Precisei deles para me recompor. Por muito que fingisse que estava tudo normal e que me sentia bem, era mentira. Mas, assim que entrasse no quarto, queria que fosse verdade e por isso ia dar o meu melhor para que assim fosse.
Entrei com sais e um frasco de óleo aromatizante. - Pronto? - Perguntei. Saquei de um isqueiro e acendi duas velas que deixara ali uma noite.

Não via o porquê das velas. Mulheres, sempre tão importadas com pequenas coisas. No entanto não lhe disse nada. Abanei a cabeça. Para ela, estava sempre pronto. - Vamos lá ver do que a dona Maya é capaz de fazer. - ri-me.

- Eu sou capa de te levar ao Paraíso - respondi num tom convencido. Por instantes fiquei apenas a observá-lo, como às vezes gostava de fazer. De o apreciar. Ele parecia-me sempre tão bonito. Indiquei-lhe que se metesse de costas e então coloquei-me perto dele. Espalhei óleo suficiente pelas suas costas e depois comecei.

Ela tinha razão quando me dissera que era capaz de me levar ao paraíso, ou pelo menos, perto disso. As suas mãos eram fantásticas. Todos os pontos doridos e tensos que tinha, foram desaparecendo. Fui relaxando e acabei por pegar no sono.

Eu tinha jeito para aquilo, estava-me no sangue. A minha avó ensinara-me muitas coisas em jovem, sobretudo sobre como manter o corpo e a alma sã. Eu nunca fizera caso a esses ensinamentos, mas agora lembrava-me deles como se fosse ontem. - Acabou... Will? - Ele já dormia. - Sou mesmo boa - Sorri e saí da cama. Fui lavar as mãos e deixei-o sossegado no quarto. Fui trabalhar para a sala com o meu computador.

Foi a meio da noite e com a cama vazia, que tinha acordado. Não havia sinais de Maya por ali e isso deixou-me desgostoso. Despi as minhas calças e vesti uns calções. Depois fui à procura de Maya.

Sobressaltei-me com um pesadelo, o que me fez acordar. Percebi que já não estava no sofá, mas antes no quarto. Daí não ter muitas dores no pescoço. Ainda bem, pensei. Virei-me e vi Will que ainda dormia. Respirei fundo e tranquilizei-me. Tinha tido um sonho horrendo em que estávamos separado. Aninhei-me a ele e tentei voltar a pegar a dormir.

Acordei com os raios de sol a percorrerem-me o rosto. Espreguicei-me e tive cuidado para não acordar Maya. Como habitual, fui fazer o pequeno almoço para nós dois. Algo ainda mais reforçado, agora que Maya ia começar com a quimio.

Spoiler:

Cinco semanas depois...


Nunca me tinha dado conta do que era atingir o fundo. Cada sessão de fisioterapia era um passo que mais parecia ser dado em direção ao inferno, do que propriamente à vida. Era a pior coisa pela qual tinha passado em toda a minha vida e repetia-se, dia sim dia não. nem me sentia eu mesmo. Já tinha emagrecido, mas estava com um ar inchado e feio. Nunca me sentia bem. As náuseas assombravam-me.
Mas ainda ali estava. Ao acordar de manhã e ver Will recordei-me do porquê se ter de continuar com isto. Queria um futuro com ele. Queria estar viva para isso. 
Contudo, era tão dificil... pensei. Tão frustrante e humilhante. Desesperante. Por essas razões ia à quimio sozinha. Não queria nem por sombras que Will me visse naquela estado, nem que se preocupasse mais do que devia. Suspirei. 
Levantei-me da cama e enfiei-me na casa de banho continua ao seu quarto. Foi então que abafei um grito ao ver os fios de cabelo colados à camisa de dormir. Eram tantos... Contive as lágrimas.

Aquelas cinco semanas foram complicadas. Queria tanto apoiar Maya, mas ela não queria, de maneira nenhuma que a acompanhasse nos tratamentos. Isso deixava-me frustrado, sentia-me um inválido, no entanto, respeitei a sua vontade. E para a compensar, passava mais tempo com ela e cuidava mais de si. Dava-lhe toda atenção do mundo.
Pousei o tabuleiro na cama, quando não vi sinais de Maya. Depois reparei em alguns cabelos seus, na sua almofada e uma luz acesa que sobressaía da porta da casa de banho. - Amor? - bati à porta.

Ao ouvir a voz dele, sobressaltei-me. Sacudi rapidamente os cabelos da camisa de dormir e limpei os olhos brilhantes pelas lágrimas. Tentei compor-me porque não queria que ele visse a minha parte fraca. Ainda bem que não se notava muito a falta de cabelo, ainda não tinha partes carecas. 
- Hum, Will... - Abri a porta.

Olhei-a preocupada. Por mais que ela tentasse esconder, eu sabia sempre quando algo de mal se estava a passar. Os seus olhos confirmavam-me isso. - Maya.. - puxei-a contra o meu corpo e abracei-a. - Tu não podes aguentar tudo sozinha.

Senti-me despedaçar mal ele me abraçou. Não queria chorar porque parecia que ultimamente só faia isso e irritava-me.  Não me libertei do seu abraço pois não tinha coragem para o olhar nos olhos. - Tem de ser...

- Não, não tem. - revirei os olhos. Maya era forte, disso eu não tinha a menor dúvida, mas uma coisa como aquelas, deviam ser encarada de forma conjugal. - Eu quero ir contigo. Quero ir, mesmo que não sejam todas as vezes.. Quero estar lá Maya.

Arranjei coragem para o olhar nos olhos. Perdia-me sempre naquela azul infinito - Não - Disse definitivamente. O seu apoio lá seria maravilhoso, mas não queria que ele me visse ligada àquelas máquinas.

A minha expressão facial fechou-se. Não queria acreditar que ela tinha-me negado ao seu lado. Olhei-a magoado e talvez minimamente irritado. - Eu vou. - suspirei. - Mesmo que não queiras, eu vou.

A mágoa que vi no seu olhar deixou-me chateada comigo mesma. - Não, Will, não vás. Não precisa de ver aquilo. Ninguém deve, aliás - Retorqui num tom cansado. - É feio e horrível e doloroso. Não quero que me vejas assim.

- Pois eu quero ver-te de todas as formas e feitios. - revirei os olhos. Ela ainda não percebera que nada daquilo me importava, só estar perto de si? - É só uma fase que vai passar. Eu vou Maya.

Ele soava tão determinada. Como ia fazer com que mudasse de ideias? - Por favor Will... - pedi. Era uma fase que tanto podia passar como não. Ninguém garantia que fosse dar certo.  - E se não resultar? Quero dizer, não posso pensar que vou garantidamente ficar boa.

- Eu vou! - Cocei o couro cabeludo. Eu já estava a excluir qualquer hipótese de o tratamento correr mal. Tentei manter-me animado. - Se não resultar, procuramos outro tratamento. Vais ficar boa, acredita.

Caramba que não havia forma de o fazer mudar de ideias. Para ele era fácil ser optimista. Não era ele que podia morrer nem era ele que ficava à mercê das dores. Suspirei, frustrada - Ás vezes custa acreditar nisso.