Cemitério

Na manhã seguinte, acordei e vesti-me para um corrida. Ia até BlueRiver a pé e talvez depois voltasse a correr.
Comi alguma coisa e peguei na flor que comprara no dia anterior e depois dirigi-me para fora de casa, começando então o meu caminho para o cemitério de BlueRiver.

Percorri os trilhos entre as campas e depois parei em frente a uma em particular: Every Killan. Pousei a flor junto da cruz e coloquei-me em frente à mesma, de pé, a olhar para baixo. Fazia hoje três anos desde que ela morrera e por isso não pudera mesmo deixar de aparecer. Ainda me lembrava dela como se tivesse estado com ela ontem e isso, apesar de doer, reconfortava-me um bocado, porque significava que ela continuava na minha memória.
Ouvi passos a vir na minha direção e olhei por cima do ombro, vendo Wade a aproximar-se com Christa. Ambos estavam com uma camisola azul - a cor preferida de Every.
- Hey. - sorri-lhes levemente.
- Estavas à nossa espera? - perguntou Christa, beijando-me a bochecha carinhosamente e baixando-se depois para depositar a sua flor. - Os outros vêm mais logo, tiveram que ir trabalhar.
Assenti levemente e observei Wade a pousar uma tulipa.
- Ela não gostava de tulipas. - dei por mim a dizer, olhando a flor.
- Eu sei. É propositado.
Acabei por me rir roucamente e fiquei no meio dos dois. Christa colocou-se ao meu lado direito, e Wade do lado esquerdo.
- Acho que ela ia gostar de termos criado a tradição de nos encontrarmos aqui para falar dela. - comentou Christa. Ela e Every tinham sido as melhores amigas.
Wade tossiu e depois virou-se para mim.
- Acho que te devemos contar uma coisa. - acabou por dizer e eu olhei para ele, de sobrolho arqueado. - Sempre ficou entendido que o filho era teu.

Abanei a cabeça e engoli em seco.
- Eu sei disso, e não me importei. - acabei por dizer. - Eu sabia quem era o pai. Ela contou-me. - olhei para a campa. - E o melhor para ela era pensarem que era meu do que da pessoa de quem realmente era. - suspirei e baixei-me, ficando de cocaras em frente da cruz que agora a representava. - Ela não estava pronta, mas mesmo assim queria ter a criança. Ela sabia que eu a ia apoiar por saber o porquê. E eu apoiei. - abanei a cabeça.
- O grupo sabia que não era teu. - acabou por dizer Christa, sentando-se à minha beira. Wade também se sentou.
- Eu sei. E os pais dela sabiam, os meus sabiam. Acho que toda a gente sabia. Mas alguns não acreditavam. - fiz uma pequena careta. - Eu devia ter mesmo cara de quem andava a engravidar raparigas, na altura. - acabei por me sentar e toquei na erva verde.
Christa rodeou-me os ombros com o seu braço e eu encostei a cabeça no seu ombro.
- A Every era corajosa. - acabou Wade por dizer, após minutos de silêncio. - Corajosa o suficiente para te aturar quando estavas mal disposto. Sabes o que ela disse, dias antes? - perguntou e eu olhei para ele. Evitávamos sempre as conversas delineadas no tempo, como aquele. O grupo sabia que eu me culpava pelo que tinha acontecido a Every. - Ela disse que, um dia, iria ensinar a rapariga de quem gostasses a acalmar-te quando estás irritado. Que iria contar-lhe tudo sobre ti para provar que eras boa pessoa, mesmo quando fazias porcaria.
Engoli em seco.
- Isso não tira de mim a culpa. - acabei por dizer em voz baixa.

Ouvi mais passos e depois vi a mãe de Every chegar, acompanhada por Therese, a irmã mais nova de Every. Levantei-me para as cumprimentar e, depois de alguns minutos em silêncio, Jordan agarrou-me no braço e puxou-me para longe dos três, até uma das capelinhas que eram a campa de alguma família.
- Nathan... - disse-me e eu premi os lábios um contra o outro. Já sabia o que aí vinha, tínhamos esta conversa todos os anos porque Jordan sabia a necessidade que eu sentia em ouvir o que ela dizia, principalmente neste dia. - Tu não tiveste culpa de não teres chegado a tempo, querido.
Engoli em seco e baixei a cabeça. Ela levantou-me a mesma com a sua mão. Os seus olhos estavam brilhantes das lágrimas que ainda não lhe caíam pelo rosto mas que não tardariam a cair.
- Tu fizeste o que podias, Nate. - voltou a dizer com uma voz calma e depois abraçou-me. Não foi preciso muito mais que isso para que eu desse por mim a chorar em silêncio. - Ela admirava-te tanto, meu filho. Ela sabia que podia contar contigo.
- Eu não cheguei a tempo. - dei por mim a repetir depois de ela se calar e continuei a abraçá-la. - Eu não cheguei a tempo e ela morreu. - murmurei.
- Wade? Christa? - Jordan chamou alto e ouvi os passos deles aproximarem-se. - Ele vai precisar que alguém o ajude a ir para casa depois.
Não refutei a ideia. Era essa a razão pela qual eu nunca vinha de carro, lá no fundo. Sabia que depois nunca seria capaz de conduzir de volta se o fizesse.
Desfiz o abraço e levei as mãos à cara, tentando acalmar as lágrimas. Wade deu-me uma palmadinha no ombro e afastou-se com Jordan em direção à campa e eu encostei-me à parede de pedra, com Christa à minha frente.

Sentei-me encostado à parede e olhei Christa.
- Eu voltei a pedir que colocassem o nome do bebé na cruz. Ou que colocassem uma cruz mais pequena à frente, mas eles não aceitaram. - abanei a cabeça. - Eu sei que ele não chegou a nascer, mas ele já tinha nome, porra. - suspirei.
Christa olhou por cima do ombro, para a campa e depois deteve-se mesmo antes de falar. Arregalou os olhos.
- O que é que foi, Christa? - perguntei-lhe, preocupado e ela apontou na direção das árvores. - A Every... - murmurou, estupefacta. Wade, que reparou nos movimentos de Christa olhou na mesma direção e ficou com o mesmo ar: olhos arregalados, incrédulos. Eu olhava na mesma direção e não via nada, talvez devido à vista turva, consequência das lágrimas.
Acabei por me levantar e Christa e Wade viraram-se na direção do sítio para onde ambos olharam. Christa começou a aproximar-se lentamente até à beira de Wade e eu suspirei.
- Nate, não vês? - perguntou Wade, um bocado assustado.

Quando me aproximei o suficiente para poder ver alguma coisa, percebi que não havia nada ali.
- Vocês estão mais loucos do que eu. - acabei por dizer com um suspiro e Christa e Wade ficaram a olhar um para o outro durante uns momentos.
Permanecemos no cemitério durante um bocado, os cinco em silêncio. Jordan abraçava Therese. Therese era uma menina tão forte, tal e qual como a irmã. Conseguia aguentar-se suficientemente bem para não gritar pela perda e chorar silenciosamente.
Quando eu, Wade e Christa decidimos ir embora, Jordan decidiu voltar a falar comigo e tudo o que disse voltou-me a pôr no estado anterior, se bem que agora mais controlado e sem tantas lágrimas.
Christa e Wade acabaram por me acompanhar a casa a pé, reconhecendo que eu precisava de apanhar algum ar.
- Nate... - disse Christa repentinamente. - Acho que tive uma ideia. Sobre o bebé. - abanou a cabeça. - Podemos ser nós a pôr uma cruz. Não precisamos da autorização deles. É no perímetro da campa da Every.
Pensei durante um bocado e depois acabei por assentir.
- Depois tratamos disso. - disse em voz baixa e continuamos o caminho até chegarmos a minha casa.