Matadouro

A betinha tinha cumprido o prometido, tinha bastado um dia para o meu patrão me telefonar a dizer que podia ir trabalhar, na condição de estar bom. A minha mãe tinha-me aconselhado a não ir, mas depois de lhe pedir uns curativos, que ela fez com ervas, ela lá ficou mais calma e me deixou sair de casa. Entrei no matadouro, pronto para ir trocar de roupa e, depois de dizer olá a uns quantos colegas fui até à saída das traseiras, visto que traziam uma nova recarga, até parecia pronta para mim. Precisava de descarregar energias.

Das partes que menos gostava da empresa do meu pai, se não a que menos gostava mesmo, era o matadouro. Odiava o cheiro daquele sítio, odiava ver como matavam os animais. Mas já hoje era o dia em que Francis fazia anos, um amigo meu que trabalhava para o meu pai, por isso, queria dar-lhe os parabéns pessoalmente. Fiz uma pequena careta assim que lá entrei, devido ao cheiro que lá emanava e olhei em volta à sua procura, acabando por dar de caras com o anormal de sempre, Robb. Já tinha dito que gostava de o irritar, não já? Pois bem, foi só mesmo por isso que me aproximei dele.
- Ontem adormeci à espera da tua mensagem de agradecimento.- ironizei.- sim, porque se não fosse eu, ainda não estavas aqui.- encolhi os ombros, mostrando um sorriso que ele iria ver quando olhasse para mim.- e antes que digas, eu sei que já tinhas saudades minhas.

-não sei como se matam animais nos matadouros, e espero não vir a saber-

Depois de prender a cabra de cabeça para baixo comecei a dar-lhe festas para que ela não entrasse em stress, apesar de já estar atordoada e mal se aperceber o que estava a acontecer. Havia uma dura realidade em que os animais eram mal tratados nos matadouros, e na quinta onde eram criados, para depois vir para aqui, mas eu não contribuía para isso, ainda tinha a minha dignidade. No entanto, não tinha problema nenhum em mata-los. Devia ser pelo hábito, desde os quinze anos que fazia isto, no início era complicado, mas quando se passava fome e se sabia que depois de matar aquilo íamos ter dinheiro e comida, era capaz de se fazer tudo.
Nem foi preciso olhar para o lado para ver Beatrice, havia uma parede de metal à minha frente que era meio espelhada e ao ver um vulto apercebi-me logo dela. Deixei que começasse a falar, fingindo que ainda não a tinha visto nem ouvido, o que poderia ter acontecido, se não estivesse tão distraído por causa da dor que tinha na minha perna, devido a estar há tantas horas em pé- - Sabes como é que se mata uma cabra? - perguntei com um sorriso irónico no rosto, ainda sem a olhar, e deslizei a faca pelo pescoço do animal, deixando o sangue escorrer pelo chão a uma velocidade estonteante porque ela estava de cabeça para baixo. Virei-me para Beatrice mandando a faca para o lavatório, enquanto me aproximava dela, com o meu fato de trabalho todo sujo de sangue. Sorri-lhe cinicamente - Cuidado com os sapatos, sangue é difícil de sair da roupa. - comentei mas logo fiquei mais sério.- o que é que estás aqui a fazer?

Assim que terminei de falar fiquei calada à espera que Robb dissesse alguma coisa, mas nada aconteceu. Quer dizer, pelo menos não durante os primeiros minutos, o que me fez pensar que, ou não me tinha ouvido, ou estava mesmo a ignorar-me. Revirei os olhos, cerrando o maxilar ao mesmo tempo que o fazia e ia preparar-me para lhe voltar a dizer mais qualquer coisa, mas desta vez num tom tudo menos amigável, quando o ouvi perguntar-me se sabia como se matava uma cabra. Levantei uma sobrancelha, sentindo todo o meu corpo arrepiar-se ao ver o animal no qual ele segurava e tudo ficou ainda pior quando, de um momento para o outro, já só vi sangue jorrar da cabeça do bicho, ou melhor, do sítio onde costumava estar a cabeça do mesmo. Se eu já não gostava daquele sítio, agora ainda gostava menos. Porém, tentei manter a minha postura, ou ia dar-lhe mais um argumento para gozar comigo. Desviei o olhar durante segundos, tentando descobrir outro cheiro que não o sangue, mas tornou-se realmente impossível. Voltei a olhá-lo, vendo-o aproximar-se de mim e ganhei forças para lhe responder.
- Tenho a certeza que é da mesma forma que se mata um boi.- murmurei, dirigindo-lhe o mesmo tipo de sorriso que muito provavelmente ele tinha feito enquanto matava o animal e baixei depois o olhar para os meus sapatos, acabando por encolher os ombros.- prefiro sujar os sapatos do que as mãos ao ter de matar os animais.- respondi com uma careta, endireitando-me logo de seguida para responder à sua pergunta.- estou à procura do Francis, um amigo meu que trabalha aqui também.- olhei em volta mais uma vez.- por acaso não o viste?

Não gozei com ela por ter desviado com o olhar mas não consegui deixar de mostrar um sorriso divertido, porque tinha conseguido, no mínimo, incomoda-la. - Na verdade não é, mas não acredito que queiras detalhes - cruzei os braços ao peito apoiando o meu corpo numa das pernas, o que me deixava numa posição um bocado gay, mas não me importei - não me digas que és vegetariana - disse com um sorriso irónico - alguém tem que fazer este trabalho se querem continuar a comer carninha da boa. - disse e estava pronto para ir embora dali quando falou de Francis - estou a substituí-lo, o teu amigo deve estar em casa, caso contrário estaria a fazer o mesmo que eu - apontei para o animal morto e fui começar a abri-lo.

Assim que vi o seu sorriso percebi que não tinha conseguido disfarçar o nojo que o que ele tinha feito me metia, mas também não disse nada, porque tínhamos de admitir que não era uma coisa propriamente agradável. E também não me parecia que ele me fosse gozar por isso, ou pelo menos eu esperava que não.
- Sim, eu dispenso pormenores.- murmurei de imediato, assim que o ouvi dizer que não se matava um boi da mesma maneira e controlei a vontade que tinha de fazer uma careta. Endireitei-me, passando as mãos pelo cabelo e voltei depois a olhá-lo, tentando ignorar o animal morto atrás de si.- eu não sou vegetariana, aliás, gosto muito de carne.- disse, abanando a cabeça.- mas nunca gostei de ver como os animar são mortos, faz-me confusão.- admiti, encolhendo os ombros e assim que ele me disse que Francis tinha sido substituído por ele, eu suspirei.- ao menos podia ter-me avisado, assim escusava de cá vir.- resmunguei baixinho, mais para mim do que para ele e quando o vi aproximar-se de novo da cabra, eu acabei por me aproximar dele também.- não te faz confusão teres de fazer isto todos os dias?

-Então não me venhas com o que preferes sujar os sapatos em vez das mãos, quando estás toda suja - disse com o mesmo sorriso de sempre, acho que já era automático sorrir-lhe daquela maneira. Levantei uma sobrancelha quando a ouvi responder por causa de Francis e encolhi os ombros - eu parti o telemóvel dele - acabei por dizer, justificando o porquê dele não lhe ter dito que ia ficar em casa no dia de aniversário dele. Sorte a dele, que eu também estava quase a fazer anos e não podia. - o teu amigo tem a mania que é bom e eu não gostei. - olhei-a ao senti-la aproximar-se - se eu fosse a ti não fazia isso - avisei-a enquanto puxava os órgãos do animal para fora do corpo, deixando os que se podiam aproveitar para ir para um recipiente próprio - faço isto há cinco anos, achas que me faz confusão?

Revirei-lhe os olhos, assim que deu a entender que eu podia não matar os animais mas que ao comê-lo estava ''suja'' na mesma, mas nem sequer lhe disse mais nada. Uma das coisas que já tinha aprendido era que nem tudo o que ele dizia merecia resposta. Fiquei a olhar fixamente para as suas costas, uma vez que tudo era preferível ao ter de ver o que ele estava a fazer ao pobre bicho e os meus olhos arregalaram-se quando o ouvi dizer que ele próprio tinha partido o telemóvel a Francis.
- Tu partiste-lhe o telemóvel? - repeti, sem querer acreditar no que tinha acabado de ouvir.- mas o que é que te passou pela cabeça? - voltei a revirar os olhos, sabendo perfeitamente que ia acabar com eles tortos graças a ele. Cruzei os braços ao peito, ouvindo-o dizer que Francis tinha a mania que era bom.- então e só porque não gostas dele resolveste partir-lhe o telemóvel? - fiz uma pequena careta.- lembra-me de nunca ser tua inimiga então.- ironizei, dando um passo atrás assim que ele me alertou para que tivesse cuidado e ouvi depois a sua resposta à minha pergunta, sentindo o meu estômago às voltas só de ter olhado, durante segundos, para o que estava a fazer ao animal.- admiro a tua coragem.- murmurei num tom enojado.- eu não conseguia.

Revirei os olhos com a sua indignação quando lhe disse que lhe tinha partido o telemóvel. Ela achava mesmo que eu faria isso só porque ele se achava superior? Virei-me para ela mandando de novo a faca que tinha para o lavatório do meu lado e tirei as luvas porque o resto já não era meu trabalho - achas mesmo que eu lhe ia partir o telemóvel só porque não gosto dele? - perguntei - por acaso achas que ele é perfeito? Porque ele não é, só diz merda e está sempre a armar confusão. E não é só comigo. - calei-me antes que falasse demais e comecei a tirar a roupa nojenta, mandando tudo para o lixo. Nós tínhamos sempre farda nova todos os dias, uma questão de higiene. - Não é uma questão de coragem Beatrice, mas ainda bem que admiras alguma coisa em mim, fico muito feliz.

Assim que Robb se virou para mim e começou a falar, dando a entender que Francis não era tão bom quanto eu pensava, eu percebi que talvez ele não fosse assim tão louco, ao ponto de lhe partir o telemóvel apenas porque não gostava dele. Tinha sido eu a arranjar o emprego a Francis, uma vez que tínhamos sido da mesma turma, mas a verdade era que nunca tinha sido muito chegada a ele, ou melhor, tinha-me afastado quando ele tinha admitido gostar de mim. De qualquer das formas, era o seu aniversário, e tinha sido apenas por essa razão que me tinha deslocado até à empresa.
- Eu não fazia ideia de que ele era assim.- confessei, encolhendo ligeiramente os ombros.- mas se quiseres eu posso falar com ele.- fiz uma pequena careta.- ou com o meu pai.- disse.- a última coisa que eu queria, quando ajudei o Francis a arranjar emprego, era que ele criasse confusões.- murmurei.- de qualquer das formas, devias ter tido mais calma.- olhei-o, sabendo que o mais provável era irritar-se comigo e, por isso mesmo, calei-me com aquele assunto, ficando sem saber se estava a ser irónico ou não, quando me disse que ficava feliz por admirar alguma coisa nele. O mais provável era que tivesse sido, por isso, limitei-me a revirar-lhe os olhos.- não penses que isso muda alguma coisa entre nós.- resmunguei.- continuo a não gostar de ti.

Fui até ao pequeno compartimento onde colocávamos a nossa farda para lavar e comecei a despir-me, sem me preocupar se Beatrice me estava a ver ou não, visto que aquilo não tinha porta, tinha apenas um resguardo para não nos despirmos e ficarmos ali à vista de toda agente. Revirei os olhos enquanto ela falava do rapaz - eu não quero saber se sabias ou não. Não precisas de falar com o teu pai, ele arranja confusões, ele resolve-as que é como toda agente aqui faz - vesti a minha roupa e calcei as minhas sapatilhas ficando à sua frente. - Vês-me com pessoa de ser calma? Eu também não - não deixei que ela respondesse e assinei o papel de presença, visto que tinha o meu cartão estragado. Olhei-a quando disse que não gostava de mim - ótimo, eu também não.

Ainda que não tivesse feito de propósito, do sítio onde estava conseguia ver Robb começar a despir-se. Para começar, não estava à espera de que o fosse fazer comigo ali e, depois, ainda que fosse suposto, eu não me dei ao trabalho de desviar o olhar. Ele podia ser um anormal de primeira, mas tinha de admitir que o seu corpo era mil vezes melhor do que a sua personalidade, ainda que eu não fosse uma pessoa que vivia das aparências, era rapariga. E como rapariga que era, sabia apreciar uma coisa boa quando a via. Sim, ele era, sem dúvida, uma coisa boa. Mas só de boca calada. Ri-me baixinho com os meus pensamentos, tendo de desviar o olhar quando ele voltou, já vestido, e acabei por me esquecer do que estávamos a falar, limitando-me a revirar os olhos com as coisas que dizia.
- És a pessoa mais estúpida que já conheci.- resmunguei e, aproveitando que estava debruçando para escrever não sei o quê, agarrei num pano que ali estava, mandando-lho à cabeça.- às vezes dás-me vontade de te fazer o mesmo que fazes aos animais. - e eu sabia que aquilo não era a coisa mais bonita de se dizer, mas ele irritava-me mesmo.

Fiz uma careta quando ela me mandou um pano à cabeça e mandei-lho à cara - espero que saibas onde é que isso já esteve - disse num tom irónico e gozão depois dela me dizer que eu era a pessoa mais estúpida que já tinha conhecido. E eu importado! Via-a uma vez por semana e para mim já era demais, não queria saber dela para nada nem dos seus conselhos de "devias ter mais calma". Tinha as pessoas que gostava e gostava também delas, se ela não gostava de mim, ainda bem, porque eu também não gostava dela. Endireitei-me, depois de ter assinado o papel e tudo mais, mas tive que me encostar a uma parede quando um calor repentino e umas tonturas me vieram à cabeça, isto já me tinha acontecido de manhã, mas nem tinha dado muita importância porque ainda não tinha tomado o pequeno almoço. - Fa-lo, o que é que estás à espera? - perguntei num tom que era suposto ser provocador, mas acabou por sair demasiado vago. Tentei endireitar-me para sair dali, mas o meu corpo não me obedeceu e acabei por cair de rabo no chão, continuando encostado à parede, com um nó no estômago e a minha perna a latejar por baixo das minhas calças justas à ferida.

Esforcei-me para não soltar um gritinho quando ele me mandou à cara, por saber que se o fizesse lhe ia dar mais razões para ele pensar que eu era uma menina mimada, coisa que não era, mesmo, e limitei-me a atirar o pano para o chão, passando logo de seguida as mãos pela cara.
- Saber que já lhe tocaste é muito mais repugnante do que qualquer outro sítio onde ele já tenha estado.- respondi-lhe de forma seca. Eu era uma pessoa calma e agradável, era amiga das pessoas e tentava sempre ajudá-las..até o conhecer. Acho que nunca tinha conhecido ninguém que me irritasse tanto quanto ele o fazia, era impossível! Abanei a cabeça com um suspiro pesaroso, meio perdida nos meus pensamentos, quando ouvi a sua resposta ao que tinha dito. Ou melhor, quando ouvi a sua falta de resposta. Sim, porque o Robb que eu conhecia ter-me-ia provocado ou mandado passear, enquanto que o Robb que me respondera tinha-o feito de uma forma demasiado morta. Juntei umas sobrancelhas, fazendo uma pequena careta e foi quando o olhei e vi o seu corpo tombar para o chão.- Robb? - arregalei os olhos, estremecendo com o barulho da sua queda e foi nesse preciso momento que me arrependi de tudo o que lhe tinha dito. Eu não queria que ele morresse, mas a culpa era dele, porque me irritava. Corri na sua direcção, com o coração a disparar-me no peito e ajoelhei-me ao seu lado, atirando a minha mala para um sítio qualquer.- Robb? - chamei e assim que percebi que estava mesmo inconsciente, agarrei-lhe na cara, dando-lhe leves chapadinhas na bochecha.- acorda, por favor.

Quando voltei à realidade, poucos segundos depois de ficar a ver apenas escuridão, continuava no mesmo sítio, sentado encostado à quina da parede, mas com Beatrice ao é de mim. O meu estômago estava apertado e se tivesse comido alguma coisa há pouco tempo o mais provável era vomitar ali mesmo, mas isso não acontece não aconteceu. Encostei a cabeça ao azulejo frio e comecei a tentar levantar-me antes que alguém chegasse -eu estou bem, podes ir embora - disse. Cerrei o maxilar quando fiz peso em cima da perna que me doía bastante a pesar de estar melhor e apoiei-me na parede. Estava na minha hora de almoço, isso é que era a minha sorte.

Acho que nunca me tinha sentido tão mal como me estava a sentir naquele momento, com Robb meio adormecido ao meu lado. Eu não queria que lhe acontecesse nada, apesar de ele ser irritante, só tinha dito aquilo para o irritar. Mas já tinha percebido que o melhor que teria feito era estar calada. Continuei a agarrar-lhe na cara, pronta para lhe dar uma outra chapadinha quando ele abriu os olhos e se começou a levantar.
- Tem calma, ainda agora perdeste os sentidos.- disse, tentando demovê-lo, mas de nada me valeu. Visto que ele já estava de pé, eu agarrei na minha mala e levantei-me também, olhando para ele a tempo de ver a sua careta assim que pôs o pé no chão. Foi aí que me lembrei da sua ferida.- é a tua perna, não é? - suspirei.- eu sabia que não estavas bom.- revirei os olhos, ouvindo-o dizer-me para ir embora e voltei a revirá-los.- eu não vou a lado nenhum.- abanei a cabeça.- quer dizer, eu até vou, mas tu vens comigo.- olhei-o.- e antes que tentes, está mais do que decidido.- assenti, aproximando-me dele para lhe agarrar no braço.- acabaste de perder os sentidos à minha frente, vais deixar-me levar-te ao hospital.

Levantei a cabeça, mais do que devia, quando ela falou da perna, por talvez ter reparado que me tinha doído - cala-te - mandei olhando para trás quando ouvi pessoas a entrar. Não me afastei muito das paredes, sentia que podia acontecer tudo de novo e a qualquer momento e fui sentar-me no bar que a esta hora estava vazio, apenas com uma velha a servir-nos. E estava mesmo a sentar-me quando ela me falou de ir com ela ao hospital. Mas ela era parva? É que só podia. - Eu não vou contigo ao hospital coisa nenhuma, não posso voltar a estar de baixa. - falei entredentes - tenho uma família para sustentar. - apesar de não ter a minha irmã.

Revirei-lhe os olhos, mais uma vez, quando me mandou calar. Como seria de esperar ele não queria que ninguém soubesse que a sua perna ainda não estava boa porque se soubessem e chegasse aos ouvidos do meu pai, ele voltava a estar de baixa. Passei uma mão pela testa, sabendo que não ia ser nada fácil tirá-lo dali e acabei por segui-lo até ao bar, soltando um longo suspiro mal recusou ir ao hospital. Eu percebia porque é que ele não queria ficar de baixa, mas mesmo assim, não era bom ele andar a trabalhar se não estava bem, ainda para mais depois do que tinha acabado de acontecer. Mas uma coisa era certa, eu não ia conseguir levá-lo se ele não queria.
- Tudo bem.- acabei por dizer, encolhendo os ombros.- eu não te levo ao hospital, mas vens comigo.- assenti.- vais deixar-me tratar-te da ferida, mas não aqui.- disse, cruzando os braços ao peito, para que ele visse que eu estava decidida.- isso ou juro que te levo à força.

Ela não percebia que eu não queria ter nada à ver com ela pois não? Nem estar perto eu queria, mas lá vinha ela pedir-me para ir com ela porque eu estava ferido e precisava de ser curado. Como se ela se importasse muito. - Como queiras - acabei por dizer - mas não dizes nada ao teu pai e dizes-lhe que a culpa é tua por estar a faltar à tarde - impus as minhas condições e não esperei que ela as aceitasse para me voltar a levantar e segui-la para onde quer que precisasse - e isto já foi tratado antes e estava a melhorar- acabei por dizer, em minha defesa, se estivesse assim não lhe tinha pedido para voltar tão rápido, mas tinha piorado de ontem para hoje e os sintomas eram notórios.

Quando disse a Robb que não o levava ao hospital se ele me deixasse levá-lo para onde eu quisesse, não estava propriamente a dar-lhe opção de escolha, por isso, agradeci por não se ter armado em teimoso, como era costume.
- Tudo bem.- assenti ao seu pedido, ou ordem, não sabia bem.- eu depois falo com ele.- murmurei, preparando-me para o ir ajudar a levantar-se, mas ele acabou por o fazer sozinho. Revirei os olhos, colocando a minha mala sobre o ombro e fui ter com ele, apontando com o queixo em frente.- segue-me, o meu carro está aqui perto.- disse, começando a andar à sua frente, mas não muito mais rápido do que ele. Eu não podia não gostar dele, coisa que não tinha mudado apenas por ter desmaiado à minha frente, mas também não o ia deixar sozinho quando sabia que não estava bem, não era insensível a esse ponto.

Não queria ir com ela, como era óbvio, mas também não podia fazê-la passar-se ao ponto de contar ao pai o que tinha acontecido. Pelo menos já tinha concordado que não ia dizer nada. Por isso ali ia eu... atrás da mademoiselle. Segui-a até ao carro, encostando-me à porta e entrando quando a abriu - e onde é que pensas que me vais levar? - perguntei - eu não te vou dizer onde é a minha casa - é que não ia mesmo, depois ainda me seguia até lá. As miúdas de agora eram todas malucas, nunca se sabia do que é que para ali vinha.

Abri-lhe a porta do seu lado, depois de ter destrancado o carro, e esperei que entrasse para ir dar a volta e sentar-me no meu lugar. Coloquei o cinto, colocando também os meus óculos de sol, e estava a ligar o carro quando o ouvi falar.
- Mas eu por acaso perguntei-te onde é que vivias? - resmunguei, nem me dando ao trabalho de o olhar.- e para que saibas, o meu pai tem todos os teus dados, se eu quisesse saber alguma coisa sobre ti, não precisava de te perguntar.- encolhi os ombros.- mas não te preocupes, não estou minimamente interessada.- murmurei, arrancando finalmente.- e vamos para minha casa.

Coloquei o cinto, esticando ligeiramente a perna que me doía até a ouvir dizer que íamos para sua casa. - O quê? - mas também... onde é que eu tinha a cabeça para não perceber que era para lá que ela me ia levar - estás louca? Eu não posso ir para tua casa. Imagina se aparece alguém. Vai reconhecer-me e vai perceber que a minha perna não está óptima, como eu disse que estava. - para além disso nunca quis entrar naquele casarão, era grande demais para mim.

Como seria de esperar, ele não ficou nada satisfeito quando lhe disse para onde íamos, começando logo a falar que nem um louco.
- Podes calar-te? - resmunguei, revirando os olhos por de trás dos meus óculos. Estava a começar a aprender com ele como ser arrogante.- não está ninguém em casa a não ser a empregada.- disse.- o meu pai só chega à noite, não tens de preocupar com isso.- disse, acelerando, uma vez que tinha a estrada só para mim.- deixa-me ser eu a tratar das coisas, está bem? Eu ainda sei o que faço.