Oficina

Conduzi diretamente para a oficina, sem nunca verificar se atrás de mim vinha ela no seu carro espatifado. O que é certo é que quando cheguei, ela também chegou. Eu conhecia o dono da oficina há largos anos, e ele era capaz de me fazer um bom desconto, apesar de saber que eu não precisava. Cumprimentei-o, melhor humorado - Olá olá - exclamei, alto, e Juli aproximou-se atrás de mim - Tive um pequeno acidente... - expliquei ao senhor, e olhei para ela, à espera que descrevesse o que se tinha passado.

Sai do meu carro, levando a minha mala e fui atrás de Jason cumprimentando o senhor com apenas um sorriso, quando me olhou. Deixei Jason falar e permaneci calada perto do mesmo.

Quando percebi que ela não ia falar, contei o sucedido ao meu amigo. A meio da história, fui interrompida quando ele chamou o filho pouco mais novo que eu para ouvir, também. O homem já devia estar nos cinquenta e tinha-me dito que o filho ia começar a tomar conta da maioria das tarefas, por isso assumi que fosse isso. Virei-me então para o rapaz, apesar do pai ficar a ouvir. Quando terminei, eles pediram a chave a Juli e explicaram o que iam fazer - apesar de nenhum de nós compreender aquela linguagem ténica. Ao acrescentarem que podia demorar uns dias, exclamei, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa: - Podes andar no meu carro nestes dias. Até te arranjo um motorista, se não me quiseres voltar a ver, o que é perfeitamente natural

Escutei com atenção o que Jason e os outros dois homens diziam, sendo que se calhar tinha um pouco a mania da perseguição por achar que me estariam a olhar de mais, mas na verdade, acho que era bem notório da parte dos dois homens, porque estavam relativamente perto de mim.
Permaneci calada durante todo o tempo e virei-me para Jason quando os homens trataram de começar a arranjar o meu carro, mas pelos vistos, ainda ia demorar uns dias, mas não havia problema. - Não é preciso, eu trabalho perto de casa. - acabei por dizer, sem mencionar em que sítio especifico trabalhava. - Só precisava que me deixasses em Blueriver.

Acenei com a cabeça, como se fosse óbvio, e completei - É claro - apontei novamente para o meu carro e, com o comando na mão, destranquei-o. Entreguei o mesmo comando a Julianne - Vai entrando, eu vou só fazer contas e já lá vou ter - disse, confiando totalmente nela. Era um bom carro, e muitas pessoas desonestas numa situação destas não pensavam duas vezes. Aliás, as únicas coisas que eu sabia sobre ela eram o seu nome e a sua vila, o que não ia ajudar se tivesse de ir à polícia. Mas depois de tanta coisa, porque é que ela levaria o meu menino? Entrei com os homens para os seus escritórios, desarrumados, tipicamente organizados por dois homens loucos por viaturas. Haviam posteres de miúdas semi-nuas nas paredes, e talvez fosse esse um dos motivos que a clientela nesta oficina fosse maioritariamente masculinas. Tal como eu esperava, fizeram-me um pequeno desconto nos arranjos, mas eu acabei por sair e deixar ainda mais, como agradecimento. Estúpido, talvez, mas ao menos era dinheiro bem entregue. Fui novamente para o meu carro e entrei para o lugar do condutor - Daqui uma semana podes vir cá buscá-lo, eu vou-te buscar. Agora, onde dizes que é a tua casa?

Entrei no seu carro e fiquei à espera dele ainda um bom pedaço de tempo, porque estariam certamente a fazer contas e na conversa... Homens! Acabei por voltar a pegar no meu telemóvel com o ecrã partido, ainda funcionava mas era uma vergonha andar com ele assim, teria de ir comprar outro quando tivesse o meu carro, claro, até porque não havia grandes lojas de telemóveis na minha vila. Guardei o telemóvel quando ouvi passos, era Jason a aproximar-se do carro. - Só precisas de me deixar onde me encontraste no outro dia. - disse-lhe, quando entrou no carro. Não queria que ele soubesse onde era a minha casa, talvez fosse melhor assim.

Olhei-me pelo espelho retrovisor, penteei-me com as mãos e segui. Esperei que ela não fosse daquelas pessoas esquisitas com a condução dos outros, até porque eu não me conseguia controlar na velocidade. Já tinha ido quase parado à cadeia por isso, mas quando o polícia me perguntou o nome deixou-me ir. Vantagens de se ser milionário. Acreditem ou não, também há desvantagens. Tipo o ódio deste tipo de miúdas. Quando ouvi o que ela disse, já a conduzir a grande velocidade, quase que travei de surpresa - O quê?! Nem penses. Não sei se isso fica longe ou não da tua casa, vou ficar preocupado... - podia ser só paranóia dela, medo que eu visse a sua casa, mas juro também que não tinha qualquer segunda intenção com aquela viagem.

Assustei-me com a sua travagem repentina e respirei fundo um pouco depois, visto ter o coração a bater demasiado depressa.
Desliguei-lhe o carro e roubei-lhe a chave, escondendo-a dentro da minha roupa. - Sai daí, eu conduzo. - pedi porque achava que ele era um autentico perigo na estrada e já chegava de acidentes e sustos por hoje, a meu ver.
- E o jardim é perto da minha casa, não tens de ter preocupar. - murmurei pouco depois. Claro que ia ficar preocupado com uma pessoa que conhecia à uns dias, era obvio que sim. pensei ironicamente para mim mesma.

Abanei a cabeça e suspirei. - Boa Tentativa - comentei, e tirei da carteira uma chave suplente. Se ela não confiava na minha condução, muito menos eu ia confiar na dela. Era um carro muito bom, repito, muito bom para ser estragado. - Queres que te leve ou não queres? - perguntei, aborrecido, e voltei a ligar o motor. Continuei a andar, primeiro devagarinho e começando a acelerar - Qual é o teu problema comigo de ver a tua casa?

Olhei para o ponteiro que marcava a velocidade do seu carro. - Se voltas a acelerar como estavas a fazer à pouco, podes parar o carro, prefiro ir de táxi. - resmunguei desviando a minha atenção agora para a estrada.
- Nenhum. - acabei por responder pouco depois.

Soltei uma gargalhada cínica - Perdoa-me, mas não sou capaz - dito isto, comecei a acelerar numa velocidade enorme, não apanhando, por mera sorte, nenhum sinal vermelho nem nenhum polícia a mandar-ma parar. Só voltei à velocidade desejada por Juli à entrada de BlueRiver. Ela não podia fazer nada, já que de certo não ia sair do carro em andamento.

Acabei por fechar os olhos durante toda a viagem, visto ter quase pavor andar rápido de mais, pelo que tinha acontecido ao meu irmão. Engoli em seco ao pensar nisto e voltei a abrir os olhos quando senti que já andava mais devagar. Apenas esperava que ele não tivesse percebido nada do se tinha passado.
Já estávamos em Blueriver e ainda bem, e achei por lhe dar instruções para chegar até minha casa.
Encerrado