Gelataria

-O que eu dei a entender há pouco foi que tu tens boas respostas para as outras pessoas. - corrigi o seu pensamento vendo-a sentar-se. Levantei as sobrancelhas com a sua resposta e, só porque precisava de esquecer o que Mia me tinha dito e gozar com ela parecia uma boa opção, sentei-me à sua frente enquanto comia um gelado. - Não, até a tua amiga foge de ti, só para tu veres o quão boa companhia és - disse esticando as pernas até à cadeira vazia, fiz uma careta quando senti a ligadura da perna magoada e lembrei-me de imediato do pai dela - ah, e podes dizer ao teu pai que estou completamente bom, por isso já me pode deixar trabalhar - disse para ver se ela dissesse eu começava a trabalhar o mais rápido possível. Era só nisso que pensava.

- Eu também tenho boas respostas para ti, só te estás é a fazer de difícil.- pisquei-lhe o olho enquanto comia mais uma bocadinho do meu gelado. Recostei-me na cadeira, pousando a mala na que estava ao lado, livre, e tal como eu esperava, ele acabou por sentar-se. Não que me fizesse muita diferença, visto que eu só não queria mesmo ficar sozinha, mas devo dizer que cheguei mesmo a pensar que ele se iria embora. Revirei os olhos com o que disse, mandando-lhe com outro guardanapo à cara, mas tentei não me mostrar demasiado chateada.- se fosse assim tão má companhia, tu não tinhas ficado aqui.- disse-lhe, mostrando um sorriso logo de seguida.- vês, aqui tens uma boa resposta.- gargalhei, sabendo que o ia provocar, e só calei a minha gargalhada quando o ouvi falar do meu pai.- tens a certeza de que já estás bem? - perguntei, encolhendo os ombros logo de seguida.- eu ouvi dizer que o ferimento não foi nada bonito.

-Não consegues competir com o nível de boas respostas que tenho para dar às outras pessoas - disse com um sorriso meio cínico, que sempre lhe fazia, porque não conseguia mostrar-lhe outro. Desviei o olhar para o gelado continuando a come-lo calmamente, para depois ir para casa, já não ia voltar hoje para casa de Mia, isso tinha certeza, ainda estava chateado, apesar do meu humor estar melhor do que o habitual. - Só estou aqui para acabar o meu gelado, depois vou embora.- encolhi os ombros com um revirar de olhos quando ela continuou, dizendo que era uma boa resposta. - O que tu ouviste, não viste - respondi-lhe - diz-lhe.

Ele podia achar que eu era uma menina mimada e convencida, mas naquele momento, o convencido era ele, por ter a mania de que era melhor do que eu. Era esta uma das razões pelas quais ele me irritava, por estar constantemente a subestimar-me, sem sequer me conhecer.
- Tens de começar a controlar essa tua modéstia.- pisquei-lhe um olho.- fica sempre bem.- gozei-o, continuando a comer o meu gelado e ignorei o que disse, quando deu a entender que eu não era uma boa companhia.- não respondeste à minha pergunta.- resmunguei, olhando para o seu pé, que estava em cima da cadeira que estava ao meu lado.- como está a tua perna?

Acabei de comer o meu gelado e só não me levantei de imediato para ir embora porque estávamos a "conversar" e eu não era assim tão estúpido ao ponto de simplesmente ir embora. -Acredita, eu controlo bastante a minha modéstia - sorri-lhe ainda da mesma forma e fiquei a vê-la continuar a comer o seu gelado, fazendo uma ligeira careta visto que o meu não me tinha caído assim tão bem quanto parecera. - Absolutamente bem.

- Oh sim, nota-se que controlas, o que mais tens mostrado ser é modesto.- ironizei, soltando uma gargalhada seca e olhei para a sua taça de gelado vazia, acabando com o meu pouco depois. Recostei-me na cadeira, limpando a boca ao guardanapo e o meu olhar voltou a baixar até à sua perna, quando finalmente respondeu à minha pergunta.- tens a certeza? - voltei a insistir. Pelo que me tinham dito, o ferimento tinha sido grave ao ponto de ele ter sido mandado para casa, para descansar como deve de ser.- é que não te vale de nada armares-te em durão e apressado.- encolhi os ombros.- se não estiveres bom a 100% eles vão perceber e vão mandar-te de novo para casa.- murmurei.- por isso, se ainda não o estiveres, eu aconselho-te a descansares.

-Nunca me viste a não ser modesto - disse num tom sério a gozar com ela. Eu sabia muito bem as coisas que dizia e sabia quando estava a ser convencido e quando não estava, a maior parte fazia propositadamente para ela ficar assim, irritadiça, era engraçado de ver, divertia-me. Segui o seu olhar até à sua perna e pude imaginar-me de novo de boxers com a ferida aberta e cheia de pus. Estava muito melhor graças à enfermeira e a... Mia, mas ainda não devia ir trabalhar. Não era que quisesse começar já a trabalhar, mas precisava. Passei as mãos pelo cabelo assentindo com a cabeça - já estou bem Beatrice, diz ao teu pai - levantei-me calmamente.

Levantei ambas as sobrancelhas, quando ele teve o descaramento de dizer que era sempre modesto, e só não acreditei na sua expressão porque era impossível que ele não tivesse noção das coisas que dizia.
- Claro que não, atrevo-me até a dizer que és a pessoa mais modesta que conheço.- ironizei, tentando ficar com um ar tão sério quanto o dele, coisa que deixei logo para trás quando o ouvi voltar a insistir que a sua perna já estava boa. Soltei um suspiro, não acreditando nem um bocadinho no que me dizia, mas optei por não dizer mais nada, ou ele ainda se chateava e sinceramente, isso era tudo o que eu menos precisava naquele momento.- não é que mereças que eu te faça algum favor..- resmunguei com ele, começando a levantar-me depois de o ver fazer o mesmo.- mas eu digo-lhe.

Meu deus, como é que ela me conseguia irritar só de a olhar? Aquele arzinho dela deixava-me maluco e isso não era bom, acho eu. Revirei-lhe os olhos mesmo de forma a faze-la ver e esperei que ela dissesse que ia dizer ao seu pai o que lhe pedia. - Muito obrigado - disse com um ar de todo sincero e depois de reparar duas vezes se tinha ou não tudo olhei-a uma última vez e apenas saí sem lhe dizer nada. Ainda precisava de ir ver como é que estavam as coisas em casa, que ficavam sempre uma confusão sempre que a minha mãe trabalhava duas vezes ao dia.

Era mais do que óbvio que ele não gostava de mim, afinal, bastava olhar para a sua cara para o saber. Mas eu também não gostava muito dele, por isso, acho que estávamos bem um para o outro. Quer dizer, não no sentido literal, porque a última coisa que queria era envolver-me com ele, fosse de que forma fosse. Dirigi-lhe um sorriso cínico, ao mesmo tempo que o vi revirar-me os olhos e ia dizer-lhe que me ficava a dever uma, depois de o ouvir agradecer-me, mas não tive tempo, visto que ele virou costas, sem sequer se despedir.
- Anormal.- resmunguei para mim, uma vez que não queria fazer figuras ao ponto de gritar com ele no meio da rua, e abanei a cabeça com um suspiro, enfiando os meus óculos para sair dali. Já era quase hora de jantar e a última coisa de que precisava era de ouvir os sermões dos meus pais, não que me importasse com as coisas que diziam, mas estava cansada demais para isso.