Jardim Público

Fomos no Camaro até ao local onde íamos correr o que me deu tempo para me preparar psicologicamente. Tinha que admitir que não era muito dada a este tipo de coisas. Sempre tinha sido magra e até gostava de fazer exercício mas correr era mais uma coisa do Kelly do que minha. Depois de sair do Camaro dei um gole na minha garrafa de água e voltei a colocar a mesma no assento do carro, fechando a porta de seguida - Vamos, cinderela?

Estacionei o Camaro nas imediações do parque. Fechei-o e guardei as chaves no bolso. Era a única coisa que levaria comigo. - Vamos lá, Tartaruga - Repliquei, sorrindo. Comecei a correr, sem esperar que ela começasse ao mesmo tempo.

- Eu dou-te a tartaruga. - resmunguei e comecei a correr atrás dele uma vez que ele tinha começado a correr sem mim. Não era uma coisa que gostasse muito de fazer mas conseguia correr a um bom ritmo e durante um bom tempo - É aqui que costumas encontrar algumas admiradoras também? - perguntei assim que cheguei ao lado dele.

Rapidamente ela alcançou-me e corremos lado a lado. Àquelas horas andava alguma gente a correr, também. - Eu encontro admiradores onde quer que vá - respondi, rindo-me.

Ri-me com a resposta dele - É difícil ser o Kelly Severide, não é? - perguntei ainda com um sorriso nos lábios à medida que ia correndo lado a lado com ele - Como vês, não sou nenhuma tartaruga. - disse-lhe dando-lhe um encontrão com a cintura antes de começar a correr mais depressa.

- Tão dificil, Shay. Nem imaginas - Dramatizei. Neste momento, a minha vida até ia muito bem. - Ainda. Quando te cansares, quero ver - Segui atrás dela. Acabámos por nos afastar do trilho e ir por um caminho não demarcado, de terra batida.

- Coitadinho. - disse com o mesmo ar que ele me fazia - Tenho a certeza que se pudesses trocavas a tua vida pela de outra pessoa qualquer. - provoquei com um sorriso. Continuámos a correr e acabámos por nos afastarmos da zona onde devíamos andar e foi ai que comecei a ouvir alguém a chamar. Parei de correr e olhei para o Kelly - Ouviste? - perguntei-lhe sem saber se tinha sido imaginação minha para a corrida acabar mais depressa ou se tinha mesmo alguém pedido ajuda.

- A vida de qualquer pessoa menos com a tua. Demasiado aborrecida nas horas vagas - Gozei, em resposta à sua provocação. Parei de correr quando percebi que Shay já não estava a correr ao meu lado. Parei e virei-me para ela. Não tinha ouvido nada. Pelo menos até aquele momento pois logo depois ouvi alguém pedir por ajuda. Olhei alarmado em volta. Os meus sentidos de bombeiro já estavam todos alerta - Alguém precisa de ajuda. - Concluí e olhei novamente em volta - Ali! - Percebi que o som vinha de um pequeno armazém ali abandonado. Corremos logo para lá.

Ia responder-lhe à provocação mas naquele momento precisava mesmo era de saber se tinha mesmo ouvido alguém ou se tinham sido coisas da minha imaginação para parar de correr. Quando ouvi novamente e o Kelly também ouviu, percebi que alguém precisava mesmo de ajuda. Começámos os dois a correr em direção ao barulho e enquanto o fazia tentava encontrar as chaves ou o telemóvel.

Corremos até ao armazém abandonado. Havia uma porta semi-trancada. Não havia dúvidas de que um pedido de ajuda vinha dali de dentro - Acalma-se! - Gritei e com um empurrão forte, abri a porta. Eu e a Shay entrámos e dentro daquele armazém só havia material de ferro, velho e sujo, e por baixo de várias vigas, estava um rapaz, não podia ter mais de quinze anos. Apressei-me a chegar até ali, tendo cuidado para observar a estrutura antes - tem calma, nós vamos ajudar-te. - tentei pensar numa forma de tirar tudo aquilo sem fazer cair as toneladas de ferro em cima do miúdo.

Enquanto procurava pelas coisas, lembrei-me que tinha deixado ficar tudo no carro do Kelly. Merda. Assim que ele conseguiu abrir a porta do armazém, apressamo-nos a ir até ao rapazinho que ali se encontrava preso debaixo de todo aquele material. Aproximei-me devagar para tentar vê-lo e ver se ele estava ferido - Olá. Eu sou a Leslie e este é o Kelly. Vamos ajudar-te está bem? - o importante era manter a calma e já eram tantos anos disto que já sabia de cor como era - Tens alguma coisa magoada? - dali e com todo aquele material em cima não conseguia ver muito.

A Leslie tinha mais jeito para acalmar as pessoas. Era normal, pois se não fosse não poderia ser uma paramédica tão excelente como era. Enquanto ela acalmava e falava com o miúdo, procurei por ali alguma ferramenta que me permitisse levantar as vigas, estabelecer uma boa base e conseguir tirá-lo dali debaixo. - A minha perna - Queixou-se o rapaz, numa cara de sofrimento. Olhámos os dois para lá e a situação não tinha bom aspecto. Havia uma barra de ferro a atravessar um pouco abaixo do joelho. - Temos que chamar reforços, Shay. Tens um telemóvel contigo? - Eu nao tinha o meu.

Assim que ele falou na perna, inclinei-me ligeiramente para a frente e tentei manter uma expressão neutra, não valia de nada assustá-lo. Voltei a olhar para o Kelly assim que ele falou - Eu sei. - não íamos conseguir tratar daquilo sozinhos - Não, ficou tudo no carro. - olhei novamente para o miúdo antes de falar com o Kelly - Um de nós tem de lá ir para avisar a central.

Assenti. Ela tinha razão. Precisávamos de chamar por ajuda. Eu era mais rápido e a Shay precisava de estar ali para cuidar medicamente do miúdo. - Eu vou. Tem cuidado, não se pode abanar a estrutura, por nada deste mundo - disse-lhe seriamente. Saí dali a correr.

- Despacha-te. - pedi-lhe enquanto me ajoelhava no chão, de maneira a conseguir olhar para o miúdo para falar com ele e acalmá-lo enquanto o Kelly ia até ao carro - Não te preocupes. - disse-lhe sorrindo enquanto ia olhando para a estrutura por cima dele e para a sua perna - Eu sou paramédica e o Kelly é bombeiro por isso estás em boas mãos.

Eu corri o mais depressa que podia até ao carro. Uma vez lá abri-o e tirei o eu telemóvel. Marquei rapidamente o número de emergência e fui o mais detalhado possível sobre a situação, dizendo também que era bombeiro e enumerando o número que coisas que era necessário fazer. Assim a equipa de salvamento viria o mais rápido possivel e melhor informada. Voltei para o armazém e encarei Shay - Como está a situação? - Perguntei. Não havia muito que pudéssemos fazer.

Ele começava a perder os sentidos e eu não podia deixar que isso acontecesse por isso continuei a falar com ele e a obrigá-lo a responder enquanto olhava para a porta e esperava que o Kelly voltasse. Suspirei de alívio quando o vi à porta do barracão, era sinal que já tinha pedido ajuda - Ele está a perdeu muito sangue e eu não consigo chegar lá para estacar a hemorragia. Precisa de ir para o hospital rapidamente.

A situação era crítica, mas nós já tínhamos lidado com cenas assim ou piores. A bem ou a mal, íamos salvar a vida aquele miúdo, desse por onde desse - O socorro já vem aí. - Foi tudo o que disse.
Cinco minutos depois chegou a ambulância e o caminhão dos bombeiros. Eram a nossa equipa, ainda bem. Aproximei-me do Chefe, Boden, e relatei muito rapidamente a situação. Não ia ficar parado. Fui buscar um dos casacos suplentes ao caminhão e coordenei a operação para tirar as vigas de cima do rapaz.

O tempo parecia passar devagar, mais devagar que o costume. Continuei a falar com o rapaz de maneira a mantê-lo acordado e tentar distraí-lo até ouvir ao longe o barulho da sirenes que eu conhecia tão bem. Olhei em volta ao ver todos a tentar perceber o que fazer e como não estava no meu turno e estavam os dois paramédicos deste turno a tratar da situação, deixei-me estar ao pé do rapaz - Está quase. - disse-lhe enquanto lhe afastava o cabelo da testa.

A operação era delicada. Um movimento em falso e as toneladas de vigas podiam cair e deslizar, o que não era um perigo só para o rapaz mas também para Leslie que estava junto dele. Por isso não podia errar. Não ia errar. - Prontos? - Perguntei ao pessoal enquanto me preparava para dar alguma estabilidade à estrutura antes de a imobilizar e depois dar espaço para tirar o rapaz, se cortássemos a viga presa à perna dele.
Aconteceu tudo numa questão de segundos. Conseguimos.

Apenas me afastei do rapaz quando os vi os paramédicos a aproximarem-se para começar o seu trabalho. Mas não fui para muito longe e apesar de não estar de serviço, mantive-me bastante atenta aos movimentos deles para o caso de eu ter de intervir. Quando eu estava do lado de fora de um edifício à espera que o Kelly e o resto dos bombeiros fizessem o trabalho deles, o tempo parecia demorar séculos a passar mas quando eu estava ali, mesmo a ver o que se passava, parecia que o tempo voava.
Olhei para o rapaz a ser transportado pela maca até à ambulância e aproximei-me do Kelly de seguida - Vais já para o quartel ou ainda vais a casa?

Felizmente toda a operação correu bem, sem percalços e o puto tinha uma boa chance de recuperar daquilo tudo, ou assim pensava eu. Vi Shay aproximar-se e despi o casaco. Estava imenso calor - Que horas são? - Não esperei pela resposta e vi no telemóvel - O nosso turno acabou de começar. Vou para o quartel. Vens?

Suspirei com um ar de sofrimento - Vou também. - já não tinha tempo de ir para casa, tinha que ir para o quartel e tomar banho lá, felizmente tinha roupas lavadas no meu cacifo ou ia continuar o dia inteiro com esta roupa por baixo do meu casaco de paramédica. Olhei para o Kelly com um sorriso esperto nos lábios enquanto lhe estendia a mão - Alguém tem de levar o Camaro.

Saímos antes do caminhão. Encontrávamos-nos todos no quartel. Eu e Shay seguimos pelo trilho de onde tínhamos vindo até ao parque de estacionamento. Eu estava encharcado de suor e ainda mal o dia começara - Sim, alguém tem e esse alguém sou eu.