Sala de estar

Um dos grandes problemas de se ser amiga de Marie Watson era a sua grande capacidade de persuasão e de nos fazer sentir irritados ao ponto de lhe dizermos que sim só para que ela se calasse.
- Ainda não percebi essa tua insistência para que eu fosse dormir a tua casa hoje.- resmunguei enquanto saía do seu carro, com a a minha mala de roupa, que tínhamos ido buscar a minha casa.
- Não posso ter saudades da minha melhor amiga? - ela resmungou, tirando do banco de trás os sacos de compras. Sim, porque para além de quase me apontar uma arma para que fosse dormir consigo, tinha-me obrigado a passar metade da minha tarde enfiada dentro de um centro comercial. Típico.- além do mais.- ela continuou.- o meu irmão avisou-me que não andavas muito bem acompanhada.- encolheu os ombros, tirando de forma atrapalhada as chaves de casa na mala e assim que as suas palavras fizeram sentido na minha cabeça, o meu corpo estacou.
- O teu irmão o quê? - quase que guinchei, sendo alvo do seu olhar arregalado.
- Credo.- queixou-se, deixando a porta aberta para que eu entrasse.- esquece o estúpido do meu irmão e dá cá isso.- agarrou na minha mala.- eu vou por isto no meu quarto, fica à vontade.- e mal acabou de falar desapareceu do meu campo de visão, deixando-me sozinha com os meus pensamentos. Mas o que é que aquele idiota tinha andado a dizer? Que eu andava mal acompanhada? Por causa de Scott? Mas o que é que ele tinha haver com isso? Soltei um gritinho frustrado, arregalando os olhos assim que me relembrei que não estava em casa e antes que alguém aparecesse, fui afundar-me no sofá da sala, enquanto tentava acalmar-me e afastar tudo o que me fizesse lembrar daquele estúpido da minha cabeça. Mas adivinhem, estar em sua casa não era propriamente uma ajuda para isso.

Assim que saí da escola, acabei por ir logo para casa, visto que não me apetecia fazer mais nada. Assim que cheguei, subi para o meu quarto, onde fiquei durante bastante tempo a jogar playstation. Devia estar a fazer trabalhos de casa ou então a estudar, mas como é óbvio não estava a fazer nada disso. Depois não me podia queixar quando me obrigassem a ter explicações, se bem que eu não me importava de as ter, se fossem dadas pela Emilly. Abanei a cabeça e revirei os olhos quando estes pensamentos atravessaram a minha mente.
Ao fim de um tempo, comecei a ouvir barulhos vindos do andar de baixo, calculei logo que a Marie tinha chegado a casa, ela fazia sempre demasiado barulho, em especial quando estava acompanhada por alguém. Abandonei o meu quarto, até porque estava a sentir alguma fome e pretendia dirigir-me à cozinha para pegar algo para comer. Desci as escadas, e ao passar na sala, o meu olhar focou-se no sofá, vendo Emilly sentada no mesmo. - O que estás aqui a fazer? - perguntei, sem desviar o meu olhar da sua figura.

Começava a achar que esta noitada tinha sido combinada entre Marie e Dylan, caso contrário, porque é que ele lhe tinha ido dizer aquelas coisas? Mas ao mesmo tempo, porque é que ele haveria de me querer em sua casa? Nada daquelas coisas faziam sentido para mim e sinceramente, eu começava a arrepender-me de não ter ido com Scott sabe-se lá para onde, ao menos ia conseguir afastar-me da confusão que era aquele gajo. E por falar nele, todo o meu corpo estremeceu assim que a sua voz se fez ouvir por toda a sala. Juntei as sobrancelhas de imediato, endireitando-me de imediato no sofá e apesar de a televisão estar desligada, fitei o meu olhar na mesma, para não cair na tentação de o olhar.
- O que é que tens haver com isso? - resmunguei.- que eu saiba a casa não é só tua.- forcei um sorrisinho, acabando mesmo por desviar o olhar para ele e aí sim, não consegui calar-me.- além do mais, não és tu que dizes que eu ando mal acompanhada? - encolhi os ombros.- então pronto, devias estar contente.

Encostei o meu corpo contra a ombreira da porta e cruzei os braços ao peito, forçando um sorriso ao ouvir o que ela dizia. - Estava apenas a perguntar, não precisas de falar dessa forma. - retorqui com um encolher de ombros. - Pensei que estavas com o teu novo amigo. Pareciam tão próximos e cumplices. - falei de forma cínica e entrei de seguida na sala. Avancei até aos sofás, acabando por me sentar num deles. Não pretendia fazê-lo, até porque eu tinha vindo aqui abaixo para ir buscar algo para comer, mas a partir do momento em que tinha visto a Emilly ali, a comida tinha passado para segundo plano.

Eu não sabia porque é que me sentia tão irritada com Dylan, mas a verdade é que me sentia e, sinceramente, pouco me importava em demonstrá-lo. Ele era irritante e eu começava a ficar demasiado confusa com estes seus sinais trocados. Tanto me beijava e era a pessoa mais adorável à face da terra como no minuto a seguir voltava a ser o mesmo estúpido de sempre.
- Eu falei-te como mereces.- murmurei, voltando a desviar o olhar para a televisão apagada, mas assim que o vi passar-me à frente dos olhos, percebi que não se ia embora. Revirei os olhos, deixando a cabeça cair para cima das costas do sofá e passei ambas as mãos pela cara, ao mesmo tempo que o ouvia falar sobre Scott.- mas o que é tu queres afinal Dylan? - perguntei.- pensei que pouco te importava com quem eu falava ou deixava de falar.- atrevi-me a dizer, num tom de desdém.- porque é que foste dizer aquelas coisas à tua irmã? Tu nem sequer o conheces.

Voltei a minha atenção para a Emilly e encolhi os ombros. - Eu não quero nada. Estava apenas a comentar o facto de vocês se darem tão bem. - falei, com um revirar de olhos. Respirei fundo quando ela mencionou o facto de eu ter dito aquelas coisas à Marie. Juro que neste momento me apetecia matar a minha irmã, por causa de ela não conseguir manter aquela boca fechada. Não era suposto ela ter contado aquilo à Emilly. - Por nada. Apenas me apeteceu. - desculpei-me, porque foi a primeira coisa que me passou pela cabeça. Juro que me apetecia mesmo matá-la neste momento. - Mas ainda bem que fizeste novos amigos. - acrescentei, cinicamente, é claro.

Ok, irritações à parte, aqueles comentáriozinhos de Dylan em relação a Scott só me davam ainda mais certezas de que aquele seu olhar e aquele seu empurrão não tinham sido pura coincidência. Mas mesmo assim, porque é que ele estava a fazer aquilo tudo? Abri apenas um olho, desviando a minha cabeça na sua direcção, enquanto o ouvia falar, e acabei mesmo por abrir os dois, não conseguindo soltar uma leve gargalhada com o seu último comentário.
- Eu posso não te conhecer há muito tempo, mas já conheço lindamente esse teu tom irónico Dylan.- murmurei.- além do mais, porque raio é que tu irias falar sobre mim com a tua irmã? - perguntei, acabando por mordiscar o meu lábio inferior quando algo me trespassou pela mente. Não, não podia ser. Mas ao mesmo tempo...- tu estás com ciúmes do Scott?

Recostei-me para trás no sofá antes de lhe responder. - Não tens nada a ver com isso. - limitei-me a dizer, porque era a única coisa que eu poderia dizer-lhe. Aliás, não tinha outra desculpa para ter falado com Marie sobre aquilo. Mordisquei o meu lábio e logo fui de novo chamado à atenção quando ela disse que eu estava com ciúmes. - Ciúmes??? - perguntei abanando de seguida a cabeça, repetidas vezes. - Porque é que eu haveria de ter ciúmes? Deves estar a passar-te, só pode. - disse rapidamente, com as palavras a serem proferidas todas muito seguidas, não lhe dando assim tempo para me poder interromper.

Acho que só me apercebi da estupidez da minha pergunta muito tempo depois de a ter proferida. Porque raio é que ele haveria de ter ciúmes de Scott? Não era como se eu e Dylan tivéssemos alguma coisa, não é? Ainda assim, a forma como me respondeu não deixou de ser suspeita.
- Tens a certeza? - atrevi-me a continuar a provocá-lo, aproveitando que estava sentado na ponta do mesmo sofá que eu para me poder aproximar ligeiramente dele.- então isso quer dizer que não te importas que eu vá tomar café com ele amanhã, certo? - encolhi os ombros, de uma forma forçosamente descontraída.- claro que não te importas, de certeza que tens andado demasiado ocupado para te preocupares com essas coisas.

Semicerrei os olhos, quando ela continuou com aquelas coisas. - Tenho a certeza absoluta. - respondi e revirei os olhos, aproveitando para me aproximar também dela. Deixei que os nossos olhares se cruzassem. - Vai tomar café com ele e vai fazer o que tu quiseres com ele. - disse, sem deixar nunca de olhar para ela. - Nesse tempo todo em que estiveres com ele, eu sei que vais estar a pensar em mim... - aproximei-me ainda mais, até conseguir tocar com a minha mão no seu rosto. Segurei o mesmo e deixei que um dos meus dedos deslizasse pelos seus lábios, contornando estes. - ... e a pensar no quanto queres sentir os meus lábios nos teus... - sussurrei bem próximo de si.

A nossa relação, se é que chegava a existir, sobreviva à base de insultos e provocações, por isso mesmo, era óbvio que todo aquele joguinho de picardias me estava a agradar. Pelo menos até sentir a presença de Dylan cada vez mais perto mim. Não era a primeira vez que o tinha tão perto, ainda para mais tendo em conta o que já tinha acontecido entre nós, mas o seu corpo, o seu cheiro...eram demasiado desconcertantes para que eu me conseguisse concentrar. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força, deixando de me conseguir concentrar nas suas palavras assim que o seu cheiro me preencheu todo o nariz e as coisas só pioraram quando senti o seu toque na minha bochecha seguido pelos seus dedos nos meus lábios.
- Dylan..- deixei escapar, mais num tom de aviso do que outra coisa e assim que os meus olhos se focaram nos seus, perdi-me por completo naquele seu azul profundo. Como é que ele me conseguia deixar assim? Deslizei a língua pelos meus lábios, que agora se encontravam tão secos quanto a minha boca e, ao fazê-lo, deslizei-a de forma propositada pelo seu dedo, sentindo todos os meus sentidos despertarem assim que ouvi o seu '' e a pensar no quanto queres sentir os meus lábios nos teus''. Vá lá Emilly, tu consegues. Endireitei-me de imediato, sem nunca me afastar do seu corpo e aproximei-me ainda mais dele, fazendo um enorme esforço por não me perder por completo assim que os nossos narizes se roçaram e a sua respiração me acariciou a face.- porquê? É isso que fazes quando estás com elas?

Interiormente eu estava completamente satisfeito, por perceber que aquilo que eu estava a fazer não a deixava indiferente. Bastava ver a expressão dela e a maneira como agora estava a falar. Um pequeno sorriso surgiu nos meus lábios e acabei por morder o mesmo quando ela deslizou a língua pelos seus lábios, e de forma propositada pelo meu dedo. Naquele mesmo momento, a minha vontade de a beijar aumentou ainda mais, mas permaneci quieto, deixando-nos na mesma ficar bastante próximos, agora ainda mais devido a ela se ter aproximado de mim. - Não. Só contigo. - respondi-lhe prontamente e sendo bastante sincero. Logo pensei para mim se devia ter dito aquilo, mas agora já era demasiado tarde para voltar atrás. Ultimamente nem sequer queria saber de outras raparigas, visto que na minha cabeça apenas existia a Emilly, todos os meus pensamentos acabavam por ir para ela, e eu nem sequer sabia o porquê de isso acontecer. Se bem que acho que era melhor continuar na ignorância. Sentia a sua respiração embater nos meus lábios, o que me fez desviar o meu olhar para os dela por uns breves segundos.

Nunca na vida eu me tinha sentido tão confusa e dividida como me sentia quando estava com Dylan. Ainda me lembrava do primeiro dia em que o conhecera e como já então ele me irritava e lembrava-me também, e demasiado bem, em como uns dias depois, eu me tinha deixado levar e..bem, ambos sabíamos o que tinha acontecido. Era como se o facto de me conseguir irritar como só ele conseguia fazer me fizesse desejá-lo ainda mais. Já para não falar daquela nossa proximidade e de todos aqueles seus toques. Inspirei bruscamente, sentindo o seu cheiro intensificar-se ainda mais e fiquei sem perceber se aquilo me tinha ajudado a acalmar ou se, pelo contrário só tinha feito pior. Até naquelas pequeninas coisas ele me conseguia deixar confusa. Subi lentamente o meu olhar até aos seus olhos, ainda com o sabor da sua pele contra os meus lábios e ia abrir a boca para dizer qualquer coisa quando as palavras de Dylan ecoaram por toda a minha mente, fazendo o meu coração disparar, começando a bater de uma forma desenfreada. O que é que ele tinha acabado de dizer? Eu não tinha ouvido bem, pois não? ''Só contigo.'' Só comigo? Ele queria dizer o que eu achava que ele queria dizer? Mordi o meu lábio inferior com força, sentindo todo o meu corpo arrepiar-se mal reparei no seu olhar preso nos meus lábios e eu juro que estava a tentar controlar-me, mas a sua respiração, o seu cheiro, as suas palavras...eu não aguentava mais. Subi uma mão de imediato até ao seu cabelo, deixando que o meu olhar deslizasse também para a sua boca e no preciso momento em que me ia esticar para o beijar, aconteceu o que eu menos queria.
- O que é que vocês estão a fazer? - era Marie.

A proximidade entre nós era cada vez maior, e eu juro que já nem sequer conseguia pensar direito, pois a única coisa que me atravessava os pensamentos era os nossos lábios juntos. Deixei os meus olhos fixos na sua boca, e quando senti a sua mão no meu cabelo e ela a aproximar-se mais, eu sabia que nos iamos beijar. No entanto, logo ouvi o som da voz de Marie, o que me fez afastar rapidamente para trás. Engoli em seco e olhei para a minha irmã, que estava ainda na entrada daquela divisão, com os seus olhos fixos em nós os dois. - Nada. - limitei-me a dizer, enquanto mentalmente aquela enorme vontade de a matar tinha voltado a surgir.

Existiam vários períodos do meu dia em que sentia uma enorme vontade de matar Marie, principalmente quando ela se metia em tudo o que era a minha vida, mas naquele momento, naquele preciso momento...eu nem tinha palavras para explicar o quão irritada me sentia. Só me apetecia...só me apetecia...só me apetecia beijá-lo e não podia por causa dela! Deixei a minha mão deslizar do cabelo de Dylan, encostando-me logo de seguida ao sofá e apesar de tudo isto parecer muito lento, fizemo-lo em questão de segundos. Sim, porque a última coisa de que precisávamos era que Marie começasse com as suas coisas.
- Vocês estão demasiado próximos para quem se odeia assim tanto.- ela comentou, ainda com a sua cara de caso e eu dei por mim a mordiscar o meu lábio inferior de forma nervosa, ao mesmo tempo que olhava pelo canto do olho para Dylan. Pensa em algo Emilly, pensa nalguma coisa.
- Eu estava a tentar tirar-lhe o comando.- menti, aproveitando que o comando estava ao lado do seu corpo para me esticar e agarrar no mesmo.- mas como sabes, o teu irmão é a pessoa mais estúpida à face da terra e não mo queria dar.- forcei um resmungo, acompanhado de um revirar de olhos. Eu era uma péssima mentirosa, mas estava a rezar seriamente para que Marie acreditasse em mim.
- Desde que não se matem.- apesar de não a estar a olhar, consegui pressentir o seu encolher de ombros.- vinha buscar-te para irmos jantar, encomendei uma pizza.- ela bateu palminhas, saltitando até perto de mim para me agarrar em ambas as mãos me ajudar a levantar.- quem será o entregador de hoje? - e ainda que Marie não se calasse, não consegui desviar o meu olhar do de Dylan enquanto me levantava.
- Não podemos jantar aqui? - dei por mim a perguntar, sendo logo alvo do olhar de Marie, que só não me matou porque não era possível.
- Claro que não.- ela resmungou, começando a puxar-me para fora da sala.- hoje a noite é só nossa e por isso- virou-se de repente para Dylan, espetando um dedo na sua direcção.- nada de vires choramingar por uma fatia de pizza.- avisou, começando depois a subir as escadas. Suspirei, olhando para ele uma última vez e como não tinha outra alternativa, segui-a.

Interiormente eu sentia-me completamente irritado, por ela ter aparecido naquele exato momento. Será que não podia ter esperado mais alguns minutos para aparecer? Tinha dado tanto jeito... Suspirei baixinho e de forma discreta, acabando depois por me encostar melhor no sofá. Preparava-me para abrir a boca para dizer que também queria pizza, mas as palavras delas impediam-me de falar. Olhei confuso para Emilly quando ela pediu a Marie para ficarem ali, e algo me disse que aquilo tinha a ver comigo... Ok, se calhar eu estava era a imaginar coisas que não existiam. - Está bem, chata. - respondi à Marie, ao mesmo tempo que revirava os olhos. Não me servia de nada protestar, visto que ela ganhava sempre, conseguindo sempre levar a sua avante. Olhei para Emilly, uma última vez enquanto elas saíam da sala e atirei depois uma das almofadas para o sofá oposto de onde eu estava. Acabei por me levantar de seguida e caminhei até à cozinha, onde pretendia fazer alguma coisa para jantar, sozinho.

- Não percebo porque é que não podíamos jantar lá em baixo.- murmurei ao mesmo tempo que entrava no quarto de Marie e fechava a porta atrás de mim.
- E eu não percebo porque é que queres assim tanto ir lá para baixo.- ela resmungou, indo vasculhar qualquer coisa ao seu guarda fatos.- é por causa do meu irmão? - agarrou num dos seus pijamas, virando-se para mim. Segunda coisa a saber sobre Marie Watson: era a pessoa mais observadora e inquisidora à face da terra. Tinha futuro em jornalismo, estava farta de lhe dizer.
- Estás parva? - quase que guinchei, sentindo as palavras saírem-me pela boca mais rápido do que aquilo que queria.- não tem nada haver com o teu irmão, simplesmente...
- Eu sei perfeitamente que não lhe estavas a tentar tirar o comando Emilly.- ela disse, fazendo com que todo o meu corpo gelasse.- eu conheço-vos aos dois, vocês não me enganam.- e como que por obra de um Deus que eu nem sabia se existia, o som da campainha ecoou por toda a casa. Apressei-me a passar ambas as mãos pela cara, como se aquilo me ajudasse a dissipar o embaraço e virei-me de frente para a porta.
- Eu vou lá.- murmurei, com a voz meio embasbacada.- devem ser as pizzas.- e estava ainda a falar e já o meu corpo se estava a escapulir porta fora.
- Salva pela campainha Emilly! - Marie gritou, sabendo perfeitamente que eu conseguia ouvir, mas eu limitei-me a andar sempre em frente, com uma enorme vontade de me enfiar no buraco mais próximo que encontrasse.

Abri o frigorífico e com o meu olhar percorri o interior do mesmo, tentando encontrar alguma coisa que me apetecesse comer, mas acho que não teria sorte. A Marie tinha-me deixado a pensar em pizza, e agora era isso que eu tinha vontade de comer. O som da campainha, uns segundos depois fez-me despertar dos meus pensamentos, deviam ser as pizzas delas. Rodei nos calcanhares e caminhei para fora da cozinha, seguindo assim até à porta da entrada. Logo me apressei a abrir a porta e qual não é o meu espanto quando vejo que é Scott, fico ainda mais espantado quando me apercebo que é ele o entregador de pizzas. Mordisco o meu lábio e abano de forma ligeira a cabeça. - Acho que é engano. - profiro as palavras rapidamente, e logo de seguida eu fecho a porta com força. Ele começa novamente a tocar à campainha, agora mais vezes do que à pouco, reviro os olhos e viro costas, caminhando novamente em direcção à cozinha, de onde eu não devia sequer ter saído.

- Dylan? - fiz uma pequena careta, assim que me pareceu vê-lo encaminhar-se para longe da porta, mas rapidamente acabei por ignorar, continuando a descer as escadas.- já vai.- falei um bocadinho mais alto, visto que as batidas na porta não cessavam e assim que desci o último degrau e me estiquei para abrir a porta, não consegui esconder o meu espanto ao ver Scott do outro lado.- Scott? - juntei ligeiramente as sobrancelhas, vendo a sua expressão irritada suavizar logo de seguida.
- Tu vives com aquele idiota? - ele vociferou, deixando-me ainda mais confusa do que o que já estava.- eu juro que se não estivesse a trabalhar eu...
- Tu trabalhas na pizzaria? - dei por mim a perguntar, acabando também por perceber que afinal não andava a ver Dylan em todo o lado.
- Foi o único trabalho que consegui arranjar mal cheguei.- respondeu-me com um encolher de ombros.- mas nunca pensei que vivesses com aquele...- e ao deixar a frase em suspenso eu percebi que Dylan já tinha feito das suas, para variar.
- Eu não vivo com ele.- achei por bem esclarecer, esticando os braços para que me desse as pizzas.- eu vim passar a noite a casa da Marie, lembraste? - e mal ouviu a minha pergunta, toda a sua expressão mudou, tornando-se mais suave e novamente divertida.
- Ainda assim, não devias estar perto de gajos como aquele.- ele resmungou, dando-me o troco pouco depois de lhe pagar.- bem, eu tenho de ir.- suspirou, esticando-se até me dar um beijinho na bochecha.- não te esqueças que amanhã és minha.- sorriu logo de seguida, piscando-me o olho antes de se afastar. Não sei se era por aquelas suas palavras me soarem demasiado estranhas ou se era por saber que Dylan se encontrava na mesma casa do que eu, mas não consegui fazer mais nada sem ser assentir com um leve sorriso, fechando a porta logo de seguida.

Bufei para o ar assim que ouvi a Emilly a dirigir-se para a porta, para a abrir àquele idiota. Teria sido perfeito se elas não tivessem ouvido a campainha, assim ele acabaria por se ir embora sem deixar as pizzas. Revirei os olhos para mim próprio, e não sei o que me deu, mas acabei por ir para a beira da porta, numa tentativa de ouvir a conversa entre a Emilly e Scott. Mal dita a hora em que eu decidi ter aquela ideia, pois aquelas palavras: amanhã és minha, irritaram-se profundamente. Juro que me apetecia espetar um soco mesmo em cheio na cara daquele idiota. Mas será que ele não podia ir meter conversa com outra rapariga qualquer? Assim que a Emilly fechou a porta, eu voltei para o interior da cozinha, para não correr o risco de ser apanhado. Abri de novo o frigorífico e do mesmo comecei a retirar algumas coisas, que iria usar para fazer algo para eu jantar.

- Começo a achar que foste fazer as pizzas.- ainda mal tinha acabado de abrir a porta e já os resmungos de Marie se faziam ouvir. Já estava com o pijama vestido e nem assim deixava de ter aquele seu encanto natural. Era impressionante esta minha amiga.
- Isso é tudo saudades minhas? - tentei brincar, forçando um sorriso enquanto entrava no quarto e pousava as pizzas em cima da cama. Quanto mais distraída a mantivesse, menos probabilidades tinha de que ela voltasse a puxar o seu irmão para a conversa.
- Nem por isso.- ela respondeu, piscando-me o olho.- só queria mesmo saber quem era o jeitoso de hoje.- sorriu marota, abrindo a caixa para tirar uma fatia de pizza. Revirei ligeiramente os olhos, indo sentar-me na pontinha da cama e peguei também num pedaço de pizza, dando-lhe logo uma trinca.
- Era o Scott, aquele rapaz que te apresentei hoje na escola.- respondi, vendo logo o seu ar confuso.- pelos vistos foi o único trabalho que conseguiu arranjar.- encolhi os ombros, vendo a sua expressão suavizar-se.
- Cá para mim ele anda é a seguir-te.- ela exagerou, como sempre, fazendo-me revirar os olhos, mais uma vez.
- Come e cala-te Marie.

Ouvi ainda o barulho de quando a Emilly passou ali perto, enquanto se dirigia de novo para o andar de cima, mas decidi-me a ignorar. Preparei algo rápido para jantar, até porque não tinha muita fome, subi depois para o quarto, levando a comida comigo, acabando assim por jantar lá. Depois de acabar de jantar, fui tomar um duche e depois deitei-me na cama. Estava um bocado aborrecido, e sem saber o que fazer, até porque ainda não tinha sono, visto que era ainda cedo para ir dormir. Peguei no meu telemóvel, e abri um jogo qualquer, começando de seguida a jogar, apenas numa tentativa de passar o tempo.

Felizmente, e durante o resto do nosso jantar, nenhum dos tópicos de conversa pairou sequer por perto do nome de Dylan. Das duas uma, ou Marie já se tinha esquecido, o que eu duvidava, ou estava apenas a querer torturar-me aos poucos e deixar o grande questionário, que eu sabia que existia, para mais logo. Ainda assim, deixei-me desfrutar daqueles minutos de paz e comer calmamente a minha pizza, enquanto o tempo ia passando por entre temas de roupas, maquilhagens e claro..rapazes.
- Eu não sei se foi da conversa, mas eu estou mesmo cansada.- Marie queixou-se, ao mesmo tempo que se deixava cair para trás na sua cama, agarrada a uma das almofadas.
- Deve ter sido de tanto falares em rapazes, as tuas hormonas aos saltos deixaram-te cansada.- piquei, atirando-lhe uma outra almofada para cima.
- És tão engraçadinha.- ela resmungou, atirando-me a almofada de volta e assim que me levantei, ajeitando os meus calções do pijama, ela torceu o nariz.- onde é que vais?
- Vou buscar um copo de água.- esclareci.- a pizza deixou-me com sede.- encolhi os ombros, calçando os chinelos antes de me dirigir até junto da porta.- tenta não adormecer.- brinquei, vendo-a murmurar qualquer coisa, toda agarrada à sua almofada mas já nem disse nada, saindo do seu quarto para descer até à cozinha. Eu só esperava que ninguém aparecesse porque, e sabe-se lá porquê, tinha escolhido trazer um dos pijamas mais curtos e desconfortáveis que tinha. Revirei os olhos aos meus próprios pensamentos, tentando puxar aqueles calções para baixo e assim que cheguei à cozinha, apressei-me a tirar um copo do armário e a enchê-lo com água, encostando-me ao balcão enquanto o segurava por entre os dedos. Ainda gostava de saber o que é que Dylan tinha dito ao Scott para ele estar tão irritado, mas também não era preciso ser-se muito inteligente para perceber que não tinha sido coisa boa. Ou não se tratasse de Dylan. Revirei ligeiramente os olhos, dando um grande gole na água e dei por mim a relembrar-me da nossa proximidade, no seu sofá, e dos seus lábios perigosamente perto dos meus. Mordisquei o meu inferior com força, fechando os olhos durante breves segundos e toda aquela vontade que eu tinha de o beijar, tornou-se ainda mais insuportável. Mas o que é eu andava a fazer com a minha vida?

Suspirei quando me fartei de jogar no telemóvel, atirei o mesmo para um lugar qualquer na minha cama e depois levantei-me da mesma. Esfreguei os olhos e andei até à porta, estava cheio de sede, e portanto, saí do meu quarto e desci as escadas até ao andar de baixo. Parei à porta da cozinha, durante uns segundos, quando vi Emilly encostada contra a bancada. Dei por mim a descer os olhos por todo o seu corpo, apenas coberto por um pijama demasiado curto. Mordi o interior da minha bochecha e revirei depois os olhos para mim próprio, mantendo-me calado. Caminhei até ao armário onde se encontravam os copos, retirei um do mesmo e enchi-o depois com água.