Quartel dos Bombeiros

- Porque se eu não fizer nada tu vais acabar morto! - quase gritei mas felizmente consegui controlar-me e baixar o tom antes de falar - Tu não estás bem e o facto de não o admitires só torna as coisas piores. Andas a tomar comprimidos que devias ter deixado às escondidas, vieste parar ao hospital e tenho a certeza que basta tocar-te no braço e no peito para te contorceres de dores. Se tu não te preocupas, preocupo-me eu. Vou falar com o médico. - virei-lhe as costas e abandonei o quarto.

A meu ver parecia que ela exagerava. Não ia morrer coisa nenhuma, muito menos por aquilo. Seria no minimo irónico dado os riscos da minha profissão.
- Shay! - Gritei mas ela nem ligou, saindo dali. Bufei e levantei-me, começando a vestir as roupas que tinha tirado. Não ia ficar ali.

Não conseguia perceber porque é que eu era a única preocupada com a saúde do Kelly; ele que devia ser aquele que se preocupava, andava por aí como se nada fosse. E para além de preocupada, estava chateada por ele me ter mentido durante o tempo que tinha passado e eu achava que ele estava melhor.
- Pode-me dizer quem é o médico do Kelly Severide, se faz favor? - perguntei à mulherzinha que estava na zona da recepção.

Já pronto, saí do quarto que me fora designado e tentei adivinhar por onde Shay fora. Vi a mancha loira perto da recepção e fui para lá, ainda a tempo de a ouvir - Não é preciso incomodar - disse para a mulher. - Shay, vamos embora. Os médicos têm mais do que fazer.
Só que... shit. Comecei a sentir-me zonzo e desequilibrei-me. Tentei apoiar-me no balcão da recepção mas não consegui. Caí no chão e acabei por desmaiar.

Olhei por cima do meu ombro assim que ouvi uma voz atrás de mim e abanei a cabeça, olhando novamente para a mulher - Eu quero falar com o médico. - disse bastante segura para ela perceber que eu não ia sair dali até que isso acontecesse - Kelly? - voltei a olhar para ele e só o vi a tentar agarrar-se ao balcão antes de perder os sentidos - Precisamos de ajuda aqui! - gritei alto enquanto me ajoelhava no chão ao lado dele.

Um médico e duas enfermeiras aproximaram-se assim que viram o bombeiro desfalecer. Actuaram rapidamente, levando-o para uma maca e dirigindo-o para um quarto vago. Fizeram uma avaliação primária e retiram-lhe sangue para fazer análises. Meteram-no a soro e esperaram que acordasse.
Entretanto, após a chegada dos resultados, procuraram um familiar com quem falar e a mulher loira ainda não arredara pé dali. 
- É familiar do Sr. Severide?

Afastei-me para que os médicos e enfermeiras que apareceram pudessem fazer o seu trabalho. Comecei a andar de um lado para o outro, demasiado nervosa para estar quieta no mesmo sítio durante mais do que alguns minutos. Parei de divagar assim que vieram ter comigo - Sim. - respondi rapidamente - Como é que ele está?

Continuei de braços cruzados enquanto ouvia o médico a explicar-me todos os resultados dos exames que tinham feito ao Kelly e não consegui evitar suspirar de alívio quando ele disse que com cuidados médicos ele ia ficar bem da lesão que tinha sofrido antes. O resto não foi qualquer surpresa para mim mas não pude deixar de me sentir nervosa por ele quando o tema passou para o emprego, porque eu sabia que dificilmente ele ia ver isto de bons olhos - Obrigada. - não sabia o que dizer, parte de mim queria defender o Kelly como sempre fazia mas desta vez foi a minha parte racional que ganhou a luta e essa parte dizia que o Kelly tinha que admitir que tinha um problema e só o ia fazer quando as consequências estivessem mesmo à frente dos seus olhos - Quanto tempo mais ou menos até ele recuperar a cem por cento?

Assenti com a cabeça e fiquei a ver o médico a abandonar o quarto antes de me conseguir mexer e fazer alguma coisa. Suspirei e olhei por cima do meu ombro quando ouvi a voz do Kelly - Desmaiaste. - respondi enquanto me virava de frente para ele - Precisas de descanso e de cuidados médicos para a tua ferida, vais ficar bem numa semana. E precisas de ajuda para a tua dependência dos comprimidos. Ah e o Bowden vai saber do que se passou e eu e tu vamos ter muitos problemas.

A minha visão não estava clara, nem tampouco a minha audição. Reparei na IV que me tinham posto. Que treta. Depois também mal ouvia Leslie mas percebi a maior parte do que me disse, mas foi a última parte que me despertou por completo - Ninguém pode saber disto, Shay! - Quase gritei, zangado - Não se passa nada, caraças! 

- Devias ter pensado nisso antes das coisas tomarem estar proporções. - disse irritada porque ele continuava a negar que tinha um problema e continuava a comportar-se como se aquilo fosse só uma dor de cabeça - Eu ajudei-te e confiei em ti, Kelly. Nunca devia ter feito isto. Já devia saber que tu ias fazer de tudo para continuar a trabalhar, mesmo que isso significasse pôr a tua vida em risco. - abanei a cabeça e tentei acalmar-me - Não consigo continuar a ver-te destruíres-te sem te preocupares contigo e com quem se preocupa contigo.

- Kelly tu tomavas os comprimidos como se fossem pastilhas e não és viciado? Durante este tempo todo andaste a tomar comprimidos às escondidas e achas que está tudo bem? - mais uma vez tive de me controlar para acalmar os ânimos e não me passar e começar aos berros com ele - Tu vais ficar aqui até teres alta do médico e até estares a cem por cento. Eu adoro-te mas não consigo continuar a assistir enquanto tu não admites que tens um problema e em vez de mudar as coisas apenas queres continuar. Vou sair do apartamento. Quando voltares do hospital já terei levado as minhas coisas todas. - abanei a cabeça com um suspiro e vesti o casaco para me ir embora.

- Ate parece que andei a snifar cocaína ou a injetar heroína - Visto por ela até parecia que era alguma coisa assim. Os gritos dela reverberavam na minha cabeça piorando a minha dor. - Não, Shay, não. Não faças isso - Pedi, alarmado. Não a queria fora do apartamento. Que merda. Estava a correr tudo mal - Eu vou parar de tomar os comprimidos. Eu prometo. Eu consigo fazê-lo sozinho.

Já tinha metade do fecho corrido quando o ouvi a implorar para que eu não me fosse embora do apartamento e a jurar que ia deixar os comprimidos. Suspirei e voltei a virar-me de frente para ele - Prometes mesmo, Kelly? Ou vou descobrir outra vez que andas a encher-te de comprimidos às escondidas e cheio de dores quando só precisavas de uns dias de descanso?

Abanei a cabeça. Sentia-me derrotado - Não volto a tomar os comprimidos. Mas não vou deixar de trabalhar, nem posso. - Era a minha contra-partida - Tenho de arranjar maneira de que o Chefe não saiba disto.

- Tens de ficar completamente recuperado desta lesão ou vais continuar a sofrer para o resto da tua vida porque não a curaste em condições. - cruzei os braços no meu peito para lhe mostrar que não havia volta a dar à situação - Eu arranjo maneira de isto não chegar aos ouvidos do Chefe se prometeres ficar cá a semana que precisas para ficares bem.

Nada daquilo era o que eu queria ouvir. Contudo não tinha opção, ou assim não era? - Não, aqui não - Firmei. - Não vou passar uma semana no hospital. Este sitio não é para mim.

- Então se fores para casa vais ter de fazer absolutamente tudo o que eu disser. E nada de tentar ir para o quartel até a semana acabar. - olhei para ele mantendo a expressão séria - Sim?

Que remédio tinha eu se não aceitar aquelas condições? De outra forma teria de ficar no hospital e o Chefe saberia - Sim - Respondi quase tacitamente.

Sorri vitoriosa quando ele aceitou as minhas condições, apesar de eu saber que ele não tinha outro remédio se não aceitá-las e assenti com a cabeça - Tudo bem. Vou falar com os médicos então para tratar de tudo. Da próxima vez que esconderes alguma coisa de mim ou que te armes em parvo, vou bater-te.

Não estava nada satisfeito. Sentia-me entre a espada e a parede, sem escolha. Naquele momento só queria sair dali. Estava farto do hospital.
- Sim... - Nem tive humor para responder à sua provocação.

- Já volto. - disse-lhe antes de sair do quarto onde o Kelly se encontrava. A parte mais fácil foi fazer com que o Kelly saísse do hospital uma vez que era só ele assinar o termo de responsabilidade mas a mais difícil era fazer com que tudo isto não chegasse ao chefe Bowen. Claro que não foi nada que prometer um encontro não resolvesse, as coisas que eu fazia pelo Kelly. Voltei para o quarto assim que ficou tudo tratado - Já te trouxeram os papeis para assinar?